Tarja Branca - documentário brasileiro sobre a arte de brincar
Ficha técnica:
Filme: Tarja Branca - A Revolução que Faltava (Original)
Direção: Cacau Rhoden
Produção: Brasil
Ano: 2014
O documentário “TARJA BRANCA: A REVOLUÇÃO QUE FALTAVA”, dirigido por Cacau Rhoden (Brasil, 2013) nos insere de maneira inspiradora e criativa na pluralidade do ato de brincar e nos convida, a partir dos depoimentos de adultos de diferentes gerações, profissões e origens, a resgatar esse universo lúdico e vivencial presente na brincadeira.
O documentário começa apresentando diversas brincadeiras e depoimentos sobre o brincar. Nos mostra um pouco da cultura popular brasileira e da espiritualidade como manifestações da alegria em que se fala, por exemplo, em brincar carnaval, brincar maracatu, etc.
O ser brincante significa uma unidade que vivencia a conexão com seu eixo, sua essência. Aprofundar essa característica do brincar é aprofundar o humano de cada um. Nossa ancestralidade nos conecta com uma cultura indígena onde as crianças crescem com muita liberdade de experimentar através do corpo, da dança, da alegria e da Natureza uma educação diferenciada. A Alegria está contida em nosso povo e é reconhecida como característica do Povo Brasileiro. Olhar para nossa pátria assim é uma possibilidade de esperança!
Uma grande reflexão do filme é sobre o brincar como não apenas uma diversão. É algo tão sério que pode ser considerado uma revolução - principalmente para os adultos. O brincar, algo tão ancestral nosso, tão importante, tão intrínseco, tem sido subvertido ao longo dos séculos negativamente. Ganhou uma conotação de algo não sério, não tão importante, e considerado, às vezes, até de perda de tempo.
Mas afinal, o que é o brincar?
Essa palavra tem origem latina. Vem de vinculum que quer dizer laço e é derivada do verbo vincire, que significa prender, encantar. Vinculum virou brinco e originou o verbo brincar, sinônimo de divertir-se.
Brincar é natural para a criança. Atividade que a leva às descobertas da vida e onde se inicia a linguagem humana.
Quando uma criança brinca ela está conectada com seu interior, com seu corpo, ela é uma unidade brincante. Nesse momento ela está entregue a um estado de consciência que a liga a seu campo energético, ao seu eixo. O puramente mental coloca-se de lado e dá-se espaço para a linguagem da alma. A linguagem da alma é O BRINCAR!
Uma grande reflexão do filme é sobre o brincar como não apenas uma diversão. É algo tão sério que pode ser considerado uma revolução - principalmente para os adultos. O brincar, algo tão ancestral nosso, tão importante, tão intrínseco, tem sido subvertido ao longo dos séculos negativamente. Ganhou uma conotação de algo não sério, não tão importante, e considerado, às vezes, até de perda de tempo.
O contato direto que a criança faz com essa pulsação da vida se manifesta na forma de alegria, nos olhos que brilham de prazer frente à vida que se revela, nos sorrisos e gargalhadas carregados de inocência e vitalidade.
O brincar possibilita a criança dar forma às suas ideias, fantasias e a compreensão do cotidiano de forma lúdica. Isso é estruturante para a construção da identidade desse Ser que, ao brincar, experimenta a vida que o cerca. Vivencialmente o brincante explora a Natureza, as sensações, constrói laços de amizade e cumplicidade com o entorno. Ou seja, brincando a criança dá sentido ao viver.
Como reforça Maria Irene Crespo Gonçalves, “o ato de brincar constrói, dá consciência, dá responsabilidade”.
A criança vem com um impulso curioso, um desejo de conhecer e explorar o meio que a cerca. É assim que começa a compreender o mundo interno e externo. Conforme brinca e explora, pode experienciar e nomear seus sentimentos. Conectar-se com o que há fora e dentro dela, aprender seus limites e suas potencialidades. Brincar possibilita então o vínculo e promove o autoconhecimento!
O brincar tem seu tempo e espaço próprio. Como dito acima, o brincar nada tem a ver com a racionalidade, ele pertence à esfera corporal e à Natureza. Portanto, a criança PRECISA interagir com as estações do ano, com as variações do clima, com a terra, com a água, com o ar. Privar uma criança disso é de certo modo uma violência, uma privação a livre experiência, ao aprendizado de um modo puro, pois inibe-se a linguagem natural, a manifestação do humano e, às vezes, a criatividade.
Brincar é o recurso que abre o portal da imaginação. E isso não vale somente para as crianças, mas para os jovens e adultos também.
Aqui temos uma questão bastante séria e importante: o TEMPO!
Numa sociedade agitada e materialista, o tempo e mais precisamente a falta dele, nos impõe uma vida e uma rotina muito acelerada. Nestas condições, muitos adultos ficam conectados apenas à instância mental ou racional, distanciando-se de suas próprias emoções, sensações e da Natureza. Somos treinados a realizar muitas tarefas, a ter bom desempenho no trabalho, a TER muitas coisas. Mas e nossa capacidade criativa, a alegria, o brincar, o SER, como ficam?
Muitas vezes, ficam espremidos, reprimidos e alguns adultos (e crianças!), buscam resgatar essa conexão interior através de recursos como: meditação, yoga, terapia. Segundo Maria Amélia Pereira, terapia e escola têm função nesta vida moderna de resgatar a vida humana aprisionada. São crianças aprisionadas em carteiras, entupidas de conteúdo, privadas da imprevisibilidade da vida que o brincar contém!
Como diz Maria Amélia Pereira, “nós somos uma resposta ao universo”. Ao nascer temos um potencial integral para a revelação de quem nós somos. Porém, a socialização e a educação reprimem partes desse potencial em prol daquilo que uma determinada cultura e sociedade acredita que seja o caminho a seguir.
Assim, ganha-se a internalização das regras para um bom convívio social, mas corre-se o risco de perder a conexão com a criatividade, com esse impulso de vida natural, com a alegria e até com o ato de brincar! São crianças e adultos duros, agitados, com pouco senso de humor, entristecidos ou ansiosos.
Temos uma ideia que o brincar não combina com a aprendizagem. Tememos que, se a criança somente brincar, ter liberdade para fazer aquilo que a realiza ela não vai ser nada na vida. E assim, muitos pais e educadores, mesmos que bem intencionados, bombardeiam os pequenos com mil atividades extracurriculares, destinadas a cumprir um curriculum que inclui esportes, línguas, kumon, etc. Projeta-se a vida para o futuro, para o vestibular, para a profissão.
Nesta direção, o brincar livre e a possibilidade de viver a experiência estão ameaçadas pela falta de tempo atual, pela necessidade dos pais de tentar proteger suas crias da frustração e do contado com seus sentimentos. Se a criança vive a liberdade de experimentar suas possibilidades, ela descobre seus limites por si mesma. Cabe ao adulto estar ao lado e falar a língua da criança, ou seja, ter uma postura que possibilite a experiência. E isso significa dar a ela o seu TEMPO. Respeitar a singularidade do desenvolvimento de cada indivíduo. Dar a elas tempo para brincar com seus brinquedos ou simplesmente para não fazer ”nada”.
Segundo o sociólogo e filósofo italiano Domenico De Masi, devemos nos atentar que não fazer nada e ócio criativo são diferentes. “Espero que o ócio criativo não seja confundido com não fazer nada. Hoje, ócio criativo significa trabalhar, se divertir e aprender”, diz ele.
O nosso lado lúdico pode nos transformar! Pois brincar é em si mesmo. E “a criança que brinca é uma criança animada. A alma está ali presente!” (Maria Amélia Pereira).
Mas, como podemos usar o instinto lúdico na nossa vida? Indo atrás da felicidade, do seu próprio desejo, isso é o brincar. Quando pensamos assim, vamos além do contato interior com nossa criança. Podemos pensar sobre como gastamos nosso tempo e se estamos verdadeiramente conectados conosco. Porque ao estarmos ligados nesse eixo temos tempo para nos ouvir, para criar, viver o presente sem tantos medos e ansiedades. Ter um pouco mais de HUMOR, rir de si, usufruir da dança, da cultura popular de nosso país e de nossa alegria!
Essa criança interna que habita em você pode estar adormecida, esquecida, mas pode e deve ser resgatada para uma vida mais feliz, com mais humor e com menos remédios.
Convivemos com a medicalização para não entrar em contato com sentimentos, com a ansiedade, a tristeza e a mágoa, etc. A capacidade de nos frustrar está muito reduzida. Mas, evitar tais sentimentos é nos privar de um pedaço de nós. O documentário ganhou o nome “Tarja Branca” justamente inspirado nesta questão.
Mas, é nesse momento de repressão do brincar puro que podemos ter justamente a oportunidade de enxergar sua importância! Podemos pensar que uma mudança de paradigmas já começou. Nela a escola seria um grande laboratório de experiências, reflexões e vínculos. Uma alfabetização social, onde a informação não é conhecimento, e sim, a experiência, onde o tempo de cada um é valorizado.
Seria entender que todo adulto contém dentro de si uma criança e que ele pode sim, mantê-la viva conectando-se com seu eixo, com o brincar nesse sentido de vínculo e de alegria. Brincar é o combinar das potencialidades humanas, da ancestralidade, do COLETIVO mas, o resultado dessa mistura é puramente PESSOAL!
Assim, como diz a pedagoga Maria Amélia Pereira:
“Brincar é usar o fio inteiro de cada ser. Quando você está usando o seu fio inteiro da vida, você está brincando. Só quando você vai inteiro para fazer algo, o resultado é verdadeiro. Assumir a experimentação e a brincadeira como práticas constantes na nossa vida e o papel de protagonistas do reencantamento do mundo é de uma coragem que requer muita simplicidade e coração de criança. A alegria e as percepções afetivas da vida só são possíveis quando a gente brinca. Brincar é mostrar ao mundo que você está por inteiro”.
Que as sementes que a reflexão que esse documentário nos traz, floresçam em cada um de nós e possibilite um encontro com a própria criança interior, com nosso fio de vida inteiro e com a alegria de viver. Afinal, brincar é coisa séria!
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Este texto foi produzido por Marcia Berman Neumann e Marcela Alice Bianco, membros da Comissão Organizadora do Cine Sedes Jung e Corpo com base nas reflexões realizadas durante o evento realizado em Agosto de 2015, com os comentários da Professora e Psicóloga Junguiana Maria Irene Crespo Gonçalves e da Pedagoga Maria Amélia Pereira (Péo).